Thursday, December 07, 2006

Estrella Damm Primavera Club 06 - Um balanço interessante

Primeira edição da versão de Inverno do já consagrado Primavera Sound com boas perspectivas de se estabelecer como mais uma alternativa à (já de si bem preenchida) agenda de concertos/festivais da cidade condal.
Esta resenha apenas diz respeito ao segundo dia e aos três palcos situados no CCIB (Centre de Convencions Internacional de Barcelona), o que significa que as actuações de Grupo Salvaje, The Ladybug Transistor, Laura Veirs, Cat Power, Jeff Tweedy e demais artistas, terão que esperar por outra oportunidade de "escrítica pop".
Vamos por partes:

(CCIB - Estrella Damm)
19:oo - Tarántula
(Entre a viagem de metro, um bocadillo de atum e a compra da entrada... à hora marcada para o início da actuação deste grupo barcelonês não era possível a comparência do escriba destas linhas. Não sei o que se perdeu... Ficou a curiosidade.)

20:00 - Bob Log III
Concerto bizarro! Este "one-man-band" (cuja slide guitar destila notas que tanto devem ao garage punk mais cru, como ao trash-blues mais vibrante) faz juz à ideia de que não é necessária uma "orquestra" de músicos em palco para demonstrar uma complexidade de sons e ritmos, cujo resultado final é no mínimo demolidor. Aliás, os únicos "membros" apresentados já perto do final da actuação foram a mão direita, a mão esquerda, o pé direito e o pé esquerdo! E que bem que cada "um" deles cumpriu a sua performance!
O aspecto visual é também uma mais-valia da qual Bob Log faz um uso interessante: com um capacete de mota, no qual um telefone incrustado funciona como microfone, o rosto do artista fica incógnito. O resto da indumentária, aparentemente banal, traz consigo um jogo de luzes que ajudam a definir os contornos do artista. Nada descurado, portanto.
Este conceito pode ser um pouco arriscado; entenda-se: um gajo em palco com uma guitarra, um bombo e pouco mais em termos de parafernália técnica. A prova provada (neste caso para mim, que era a primeira e ansiada vez que assistia à sua actuação) é que Bob Log III é um "combo em um": faz (e de que maneira) aquilo que vários ao mesmo tempo não têm arte nem engenho de conseguir. E isto, para além de outras ilações, quer dizer bastante. Já para não falar que o cachet não tem de ser repartido!

21:00 - The Pipettes
Anos 50 nos dias de hoje. Música de verão refrescante. Vestidos com flores. Cadillacs com raparigas no banco de trás. Coreagrafias ensaiadas ao pormenor. Músicas com três minutos de conteúdo agri-doce. The Ronettes. Phil Spector... Chega de lugares-comuns retro-desfasados. Afinal a música não é feita disto mesmo? Avanços e recuos? Embrulhar e voltar a dar? "Hypes" mais ou menos artificiais? A todas estas questões as Pipettes poderiam responder com um simples esboçar de lábios. Pela parte que me diz respeito, e apesar do lado negativo implícito nestas questões, estas três raparigas inglesas de Brighton trouxeram, com o seu primeiro registo "We Are The Pipettes", uma lufada de boa disposição ao panorama da música actual (atente-se no seu vídeo "Pull Shapes").
Algures entre o indie e o pop (os fãs e/ou detractores de cada estilo dirão, porventura, que são demasiado pop para ser indie, ou demasiado indie para ser pop), as The Pipettes tiveram uma prestação (talvez prejudicada pelo horário, já que actuaram ao mesmo tempo que Cat Power) digna de profissionalismo, humor, descontracção e momentos de grande empatia com o público (no qual se encontravam fãs vindos de paragens mais distantes como Bruxelas ou mesmo Califórnia). Concerto curto (cerca de 45 minutos), mas a deixar óptimas referências para uma próxima visita. Vejam-nas, antes que o tal "hype" deixe de o ser (se é que não deixou de o ser já...).

22:15 - The Wrens
Vindos de New Jersey, deram o primeiro grande concerto da noite para quem ainda andava um bocado a ambientar-se ao recinto. Conseguiram chamar mais público para junto do palco, graças sobretudo a um vocalista "quase" louco (no bom sentido do termo). A sua divisa "no futuro, todos serão famosos para 15 pessoas" teve aqui um número bem mais alargado e bem mais receptivo à prestação feita pelos quatro membros que se divertiam com e como o público.
Com um início completamente Pink Floydiano, com laivos actuais de psicadelismo (escola The Mars Volta) e uma voz (aparentemente enganadora) a fazer lembrar o melhor Tom Waits, o repto estava lançado. Seria, com toda a certeza, um momento de deleite para qualquer fã de música que se preze. Ao longo da excelente prestação as vozes iam-se alternando/complementando entre o vocalista Charles Bissel (que também tocava guitarra, teclas, animava o público e o mais que fosse preciso), o outro guitarrista (Greg Whelan) e o baterista Jerry MacDonnel (cujo dueto com o vocalista principal foi dos momentos altos de todo o concerto).
Quase no final, um chamamento espontâneo de público por parte da banda para subir ao palco e fazerem, também eles, parte do concerto. Empatia total e um resultado brilhante!
Merecem ser conhecidos por quem desconhece um dos melhores grupos do meio alternativo, sobretudo para ouvintes de guitarras em aventuras mais ou menos sónicas com destino incerto.

Foram a primeira desilusão (não totalmente esperada) da noite e, provavelmente, o concerto mais fraco de todas as bandas presentes.
Portanto, não vou alongar muito os comentários, correndo o risco de ser violentamente agredido ou, no mínimo, vilipendiado por um qualquer fã da banda norte-americana. O seu pop-rock de cariz clássico não conseguiu convencer (pelo menos a mim e a uns quantos espectadores que aproveitaram para ir abastecer no bar mais próximo ou simplesmente ir ver outras vistas). Confesso que os tinha em melhor conta, leia-se audição, mas ao vivo foram uma desilusão. Talvez um mau concerto? Não creio... mas, como disse, também não vou alongar a questão.

Banda seminal do meio alternativo, sobretudo durante a década de 90, estes escoceses vieram apresentar em (quase) exclusivo a Barcelona um dos seus melhores álbuns (corrijo, o seu melhor álbum): "Bandwagonesque" (datado da longínqua colheita do ano de 1991).
Temas como "Star Sign" e "What You Do To Me" são autênticas pérolas sonoras. Um deleite para a audição. E um luxo poder disfrutá-los ao vivo!
O grupo de Norman Blake, apesar dos anos no activo (a sua formação data de 1989), demonstra uma frescura invejável comparando com muitas bandas da actualidade (talvez o nome da banda ajude...). Com uma postura em palco sóbria mas eficaz, estes senhores presentearam todo o público com uma prestação brilhante, a fazer lembrar que o epíteto de "melhor banda do mundo" (segundo Kurt Cobain, na altura ainda vivo), teve com certeza alguns momentos de duração aquando da feitura desta obra musical, que ficaria para os anais da história da música independente das últimas décadas como um marco incontornável.

02:30 - The Rapture
No espaço de pouco mais de um mês estes nova-iorquinos marcaram presença em Barcelona. Sinal de fartura ou ávida necessidade de ter por perto um dos grupos que mais fervor despertavam, para saber como resultavam ao vivo "bombas sonoras" do calibre de "House Of Jealous Lovers". A primeira destas duas aparições tinha sido no Razzmatazz e, na altura, a sensação deixada foi um misto de "eu já devia ter visto estes gajos há pelo menos dois anos" e "o novo álbum não é tão bom como o anterior, mas até se ouve... e dança bem!". Desta feita, com uma qualidade de som superior e um entrosamento perfeito entre todos os elementos e instrumentos da banda, o resultado foi claramente superior.
Com o ainda recente "Pieces Of The People We Love" em linha de destaque, os Rapture foram uma máquina bem oleada, quase em registo "live-mix", alinhando os temas de modo a resultarem como se de uma sessão dos Soulwax se tratasse.
Para os que alvitravam o fim do interesse por um dos porta-estandartes da fornada punk-funk do início de milénio, a prova dada foi no sentido inverso. Frescura dos novos temas, arranjos que dão novas roupagens mais elaboradas aos temas mais antigos, são sinais reveladores de que este quarteto ainda tem muito para oferecer nos próximos tempos. Assim esperamos.

(CCIB - Nitsa)
00:30 - DJ De Mierda
Apenas dizer que ouvi duas ou três músicas misturadas por este dj residente do Nitsa. Bom, como de costume. Técnica aliada a uma selecção cuidada. Passem pela sala Apolo um dia destes, caso ainda não tenham tido o prazer de ver/escutar este senhor dos pratos.

Apenas pude presenciar a mestria na mistura "a quatro mãos" destes dois primos suecos durante meia dúzia de temas. Não sendo uma dupla de dj's clássica (em termos formais de terminologia), esta actuação prometia sonoridades marcadamente minimais, com laivos tech-house com o prolongar do "set".
Esta presença veio provar, mais uma vez, que actuações de dois dj's ao mesmo tempo, complementando-se entre si e não atropelando-se, revela uma (quase sempre) mais-valia que não é de descurar para um público exigente.

03:00 - Superpitcher
A esta hora as actuações em simultâneo eram várias. Fazer escolhas era pertinente. E o alemão Aksel Shaufler (a.k.a. Superpitcher) foi uma das "vítimas" de pouca atenção prestada. Em todo o caso, deu para perceber que a faceta de produtor sai a ganhar em relação à de dj. Não que esta última seja má, de todo, mas há aspectos de alguma monotonia um tanto ou quanto maçadora na sua prestação atrás dos pratos, que não fazem a devida "honra" à produção de temas do calibre de "Happiness" (com a sua progressão em tons electro-pop ambiental).
A ouvir mais atentamente numa próxima oportunidade para dissipar algumas (possíveis) más interpretações.

Esta francesa (com residências mensais nos clubes parisinos Rex e Pulp, e em Barcelona no clube Nitsa, onde poderão voltar a disfrutar do seu som na passagem de 2006 para 2007), apresentou uma performance discreta mas muito eficaz, marcada pelo seu som de origem, ou seja, um techno, que tanto era devedor da corrente mais minimal alemã, como do "french-touch" do seu país natal.
Em final de noite, já com muitos corpos cansados e a pedirem outro (re)conforto, levou o público, sempre numa toada progressiva controlada, a uma despedida com classe desta primeira edição do Primavera Club.

(CCIB - Nasti)
00:00 - Art Brut
(A partir desta hora, fica desde já a ressalva: devido a problemas da não desmultiplicação de mim próprio, houve bandas e dj's que não tiveram a atenção devida.)
Não foi o caso destes britânicos. Nem podia deixar de ser de outra forma. Deram o concerto da noite e, seguramente, dos melhores de todo o festival.
Não será exagero se disser que a sua prestação foi daquelas que ficam na retina (e no ouvido) de todos os que a presenciaram. Histórico? Para mim ficam na história dos melhores concertos dos últimos tempos. Ponto. Parágrafo.
Dito desta forma, parece não haver adjectivos suficientes para descrever o que foi ver Art Brut.
Simplifiquemos, então: Half Man Half Biscuit. Jonathan Richman. TV Personalities. The Fall. Pulp. Elegância. Ironia. Falta de pretensiosismo. Canções redondas. Atitude punk. Visual "mod". Amor. Ódio. Portugal. Disneyland. CSS. Imaginário louco...
Podia continuar a desfilar nomes e referências que fizeram parte da prestação deste grupo que, se a história lhes fizer justiça, vão ser grandes! Merecidamente!

01:30 - ESG
Respeito! Estas senhoras merecem todo o respeito do mundo! As três irmãs (Renee, Valerie e Marie Scroggins, repartindo-se entre as vozes e percussões) mais a amiga Leroy Glover (no portentoso baixo), originárias do Bronx de N.Y., deram simplesmente um concerto magistral que, paulatinamente, foi "roubando" público aos restantes artistas que actuavam em paralelo.
ESG é a abreviatura de Emerald, Sapphire & Gold e, realmente, pode-se dizer que foi uma preciosidade poder assistir a tão competente desfiar de grande parte do glossário da escola funk dos últimos decénios. Não será por mero acaso que nos últimos anos, artistas dos mais variados estilos (do hip hop ao post punk) recorreram ao espólio discográfico destas senhoras como fonte inesgotável de inspiração e mesmo como material de trabalho (através de vários trechos samplados).
Poderia dizer também que o concerto foi de peso, a julgar pelo porte das artistas, mas todas elas (sobretudo a mana Marie) com um toque de classe e sensualidade que contagiaram inapelavelmente todo o público que enchia esta parte do recinto.
As palavras serão com toda a certeza parcas para descrever esta prestação única. Façam um favor a vocês mesmos e vejam um dos concertos quando puderem. O conselho é de borla e só o toma quem o quiser...

Durante a actuação deste trio (que decorria, ironicamente ou talvez não, ao mesmo tempo dos Rapture) a sensação era um pouco estranha, já que pareciam estar a fazer a primeira parte do grupo citado, mas num palco diferente. O som era bastante semelhante, as influências também; o público, esse, era em número consideravelmente menor. Numa outra circunstância, ninguém daria pela falta de uns Rapture, mais "mainstream" e habituados a públicos mais vastos... no entanto, desta vez a coisa soube a pouco, já que mereciam, sem qualquer dúvida, mais atenção por parte dos presentes no festival.
Mais um trio que veio de Brighton, tiveram no seu último longa-duraçao "Transparent Things" de 2006 o grosso da apresentação, recorrendo amiúde ao pouco aclamado "Electro Karaoke In The Negative Style" de 2003. Tal como são descritos, a sua amálgama de kraut-rock, pop e electro, merece uma atenção mais cuidada, correndo o risco, se tal não for feito, de passar ao lado de um dos projectos mais interessantes saídos das ilhas britânicas nos últimos anos.

04:00 - Vex'd
Esta dupla de londrinos que se conheceram em Bristol, fazem parte de uma fornada de bandas electrónicas inglesas que, alicerçadas em bases sonoras claramente ligadas ao grime e dubstep (as correntes sonoras mais estimulantes da actualidade vindas da Inglaterra), tendo como principais influências a IDM e algum hardcore mais old-school (em registo industrial), fizeram da sua prestação um hino ao som (bastante) distorcido do baixo. Os graves foram reis e senhores! Não aconselhável a ouvidos mais sensíveis, portanto. Quase parecia que estavam numa qualquer sala de ensaios, mas com (algum) público a assistir...
Esta é, para mim, uma dupla que ganha claramente no campo da produção e (se) perde um pouco (com muitos rendilhados demasiadamente experimentais) no registo "live".

Metade dos alemães Le Hammond Inferno (donos de uma das editoras mais interessantes no que ao pop de cariz mais kitsch diz respeito, Bungalow Records), DJ Supermarket deleitou os últimos resistentes com uma sessão condimentada com os igredientes do costume: música electrónica com raízes pop, música pop com influências electrónicas, tudo bem misturado sob a égide de um hedonismo que se adequava claramente para um final de festa. Temas claramente ganhadores (de artistas como Thomas Shumacher) foram servindo ao longo do "set" para dar um ar de loucura controlada entre o público, que respondia efusivamente a cada nova mistura vinda da mesa de mistura.
Para quem quiser adentrar-se por algum do universo deste senhor, ouçam o registo de 2005 "This Is Bungalow: A DJ Mix by Le Hammond Inferno", e ficarão com uma ideia mais clara do que aqui se falou.


A análise final desta primeira ediçao do Primavera Club é, portanto, claramente positiva, deixando antever, uma vez mais, que a próxima realização do Primavera Sound (em finais de Maio do próximo ano) será imperdível! Iremos tentar nao perder! Façam o mesmo.

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