Monday, October 09, 2006

Ecos da montanha

Ontem lá consegui apanhar a meia-horita final do documentário do Edgar Pêra sobre o Carlos Paredes. A estranheza de ouvir português a ecoar no hall do CCCB levou-me a analisar o próprio idioma como se também de música se tratasse. É impressionante a dimensão do português falado, fértil em transmitir sensações para lá das próprias palavras. São só palavras...mas são muito mais do que palavras. Do outro lado, na cadeira ao lado, aqueles (muitos) que ali se encontravam alimentando-se à base de legendas, assistindo a uma versão sem açúcar do documentário.


A título de exemplo, a passagem do "rapazito" do hotel a quem Carlos Paredes dedicou um tema, já findo o concerto, já de regresso ao hotel, talvez com sede dum copinho de leite morno ou de uma águinha das pedras:

"-Oh Sr. Carlos, não consegui arranjar bilhetes para ir vê-lo. O meu irmão foi, mas eu não, além disso trabalho de noite sabe... e é complicado poder ir a estas coisas. Quando soube que cá ia ficar [no hotel], saltei de alegria. Adoro a sua música...Eh pá, sabe lá o Sr. como gosto de ouvi-lo..."

Naturalmente, que já não consigo transcrever o discurso (directo) que alguém ouviu anos atrás no bar, após levar o grande Paredes ao hotel. Mas não foi muito diferente disto que se disse.
Certo é, que os presentes que não liam legendas, vimos o rapaz emergir da boca do narrador, atrás do balcão, a simular que secava a baixela, sem conseguir tirar os olhos de Paredes, sem sequer conseguir pô-los dada a grandeza do ídolo, devoto, simpático, humilde mas fora de si (quase vivemos na primeira pessoa esse momento mágico). Talvez até o consigamos vestir no seu traje hoteleiro (mangas que lhe ficavam um pouco compridas - talvez o fato o dividi-se também com o irmão) e todos compreendemos que o peso da sua ausência ao concerto somado à bondade de Paredes culminaram num dedilhado intimo com cheiro a fumo de Português Suave e a vapores de máquina de café...

É certo que um blog nada tem de falado e portanto é obvio que a dimensão que vos quero transmitir se castra a si mesma por vos estar a escrever...

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Alguém me terá de explicar porque é que, no dia anterior, o debate do filme da Catarina Alves Costa sobre a obra do(a) Siza Vieira em Cabo Verde foi anterior à projecção do filme.

Bem... é melhor não pôr epitáfios a um evento gratuito, a que assisti tão pouco e que tanto me satisfez.

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